A manifestação é uma resposta à PEC apresentada nesta semana pelo deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil - SP), que sugere permitir o uso da tecnologia nuclear para fins de defesa nacional em caso de ataques.
A proposta, apelidada nas redes de “PEC da bomba atômica”, permitiria que as Forças Armadas desenvolvessem armamentos nucleares mediante autorização presidencial.
No documento, as quatro entidades reafirmam o compromisso histórico da ciência brasileira com o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear, um princípio consagrado na Constituição de 1988. As instituições alertam que alterar essa norma seria um “retrocesso civilizatório”, com impactos éticos, diplomáticos e morais graves, além de violar tratados internacionais que tornaram a América Latina uma zona livre de armas atômicas.
“O Brasil, que construiu sua reputação internacional como nação promotora da paz e da cooperação científica, não precisa de bombas atômicas para ser soberano. Precisa, sim, de investimentos em educação, saúde, ciência e inovação, os verdadeiros pilares da soberania moderna”, argumentam na nota. As entidades conclamam, por fim, o Congresso Nacional a “rejeitar integralmente” a proposta e a reafirmar o compromisso do Brasil com a paz, a democracia e o uso responsável da ciência e da tecnologia.
Leia abaixo a manifestação na íntegra:
EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO E CONTRA A LEGALIZAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NO BRASIL
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Sociedade Brasileira de Física (SBF) e a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) manifestam seu repúdio veemente à proposta de emenda constitucional que pretende permitir o desenvolvimento de armas nucleares no Brasil.
A Constituição Federal de 1988, conquista histórica da sociedade brasileira, consagrou o princípio do uso exclusivamente pacífico da energia nuclear, uma conquista assegurada graças à mobilização de cientistas, educadores e movimentos sociais, liderados por entidades como a SBPC, ABC, SBF e SBQ.
Esse dispositivo, inscrito no artigo 21, inciso XXIII, alínea “a”, é uma das expressões mais elevadas do compromisso do país com a paz, a ética e o desenvolvimento responsável da ciência. Revogar essa proibição significaria um retrocesso civilizatório, com consequências jurídicas, diplomáticas e morais irreparáveis.
A proposta em discussão ameaça desmontar compromissos internacionais que o Brasil ajudou a construir, entre eles, o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e o Tratado de Tlatelolco, que fizeram da América Latina uma zona livre de armas atômicas.
Romper com esses tratados não apenas violaria obrigações internacionais, como colocaria o país em rota de isolamento diplomático e perda de credibilidade global.
As armas nucleares representam a antítese da ciência e da vida. São instrumentos de destruição em massa, cujas consequências humanas, ambientais e intergeracionais são incalculáveis.
O Brasil, que construiu sua reputação internacional como nação promotora da paz e da cooperação científica, não precisa de bombas atômicas para ser soberano. Precisa, sim, de investimentos em educação, saúde, ciência e inovação, os verdadeiros pilares da soberania moderna.
A justificativa de “dissuasão estratégica” é tecnicamente inconsistente e eticamente inaceitável. Nenhum país ganha segurança ao entrar em uma corrida nuclear. O custo de um programa bélico desse tipo seria astronômico, desviando recursos escassos das áreas que realmente constroem o futuro nacional.
O Brasil deve reafirmar sua liderança ética, científica e pacífica no uso do átomo, fiel ao espírito de sua Constituição e à tradição diplomática que o consagrou como nação promotora da paz e da cooperação entre os povos. Trair esse princípio seria romper com um legado de responsabilidade e lucidez científica que nos distingue no cenário internacional.
Em nome da Constituição, da ciência e da humanidade, conclamamos o Congresso Nacional a rejeitar integralmente essa PEC e a reafirmar o compromisso do país com a paz, a democracia e o uso responsável da energia nuclear e da tecnologia. Data: 13 de outubro de 2025 –
Assinam: FRANCILENE PROCÓPIO GARCIA - Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); HELENA BONCIANI NADER; Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC); SYLVIO CANUTO; Presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF); e ROSSIMIRIAM PEREIRA DE FREITAS; Presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ).
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Especialistas do setor nuclear criticam a PEC da "bomba atômica" do deputado Kim Kataguiri
“A proposta é juridicamente inadmissível, estrategicamente desastrosa, economicamente insustentável e moralmente indefensável”, afirmou o engenheiro nuclear Leonam Guimarães, membro do grupo de assessoria da direção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ex-presidente da Eletronuclear.
Na opinião do integrante da AIEA, a PEC “destruiria conquistas diplomáticas e tecnológicas acumuladas em mais de meio século e colocaria o Brasil em rota de colisão com a comunidade internacional”. O Brasil, destacou, “não precisa de armas nucleares para ser respeitado; precisa, sim, reafirmar sua liderança ética, científica e pacífica no uso responsável do átomo”. A proposta correta, disse é “defender a Constituição, a soberania real e o futuro do País”.
POTÊNCIAS USAM O PODER -
Para o ex-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), mestre em engenharia pela Coppe/UFR, engenheiro Carlos Henrique da Costa Maria, o Brasil tem outras prioridades; nada tem a ver com armas nucleares.
"O Brasil tem que avançar na exploração de suas jazidas de urânio e incrementar com rapidez todo o processo de enriquecimento”. Para isso, afirmou, “deve aumentar substancialmente o processo de transformação do yellow cake em gás de hexa fluoreto de urânio e ampliar significativamente o número de centrífugas”. E completou: “O Brasil é signatário do acordo de não proliferação de armas nucleares e, portanto, não deve produzir bombas atômicas”.
Para o engenheiro Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira do Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), "o setor nuclear tem muita coisa para fazer e esta não é uma delas. O deputado demonstra total desconhecimento da geopolítica e está olhando para interesses que não são os do país", comentou. E ironizou: "Não daremos palco a ele".
CLIMA DE HISTERIA
“Este clima está acontecendo desde o início de duas guerras inimagináveis, uma na Europa, envolvendo Rússia e Ucrânia; outra no Oriente entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza. E, depois associadas às recentes manifestações do presidente dos EUA de anexar México, Panamá e Canadá ao território americano, comprar a Groenlândia, lançar ataque militar contra a Venezuela e outras sandices similares, é possível até ver nosso país ser também ameaçado, em particular devido a ambições quanto à posse da Amazônia, tida como o pulmão da humanidade e, portanto pertencente a todos”, comentou.
Olga Simbalista é membro da Academia Nacional de Engenharia, do Conselho de Notáveis da Confederação Nacional do Comércio, Conselho de Administração da Associação Comercial do rio de Janeiro (ACRJ) e da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), além da Seção Latino Americana da American Nuclear Society, por exemplo.
Diante de tantos conflitos e ameaças, ela não apoia, mas faz uma espécie de mediação à ideia do deputado: “Como escreveu Guimarães Rosa, dito pelo personagem Riobaldo, em seu livro mais famoso, Grande Sertão: Veredas, Viver é muito perigoso”, comentou. “E está ficando cada vez mais”, alertou.
(FOTOS: acervos pessoais)
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