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quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Alentejo, da medieval capital, Beja, ao romano Vinho da Talha de Vila de Frades, a vila romana Cucufate, à gastronomia e planícies se perdendo no horizonte


Porto fluvial de Pomarão, no Rio Guadiana, que servia à mina de São Domingos


Texto e fotos: Arnaldo Moreira 


Minha viagem deste ano, de 30 dias, a Portugal privilegiou Lisboa, onde fiquei 15 dias, quando aproveitei para andar muito a pé pela cidade, passear em Alfama, e saborear as excelente gastronomia portuguesa em restaurantes da capital e na grande Lisboa, e visitar a Casa dos Bicos, sede da Fundação José Saramago, construída em 1523, na Rua dos Bacalhoeiros, 10, na Baixa, perto do Terreiro do Paço que tem uma riquíssima exposição permanente da obra do escritor português José Saramago. 

Na verdade, o objetivo principal da viagem a Portugal este ano foi conhecer mais o interior do Alentejo, parte dele, é claro, porque a região é a maior do país. 

Portugal, um pequeno país à beira mar plantado, que forma a Península Ibérica com a Espanha, virou um dos mais importantes destinos turísticos da Europa, graças à sua gastronomia, história, cultura e clima, o mais temperado do continente, e excelentes hotéis e pousadas. 

Esses ingredientes são fortes e eficientes elementos captadores de turismo o ano todo. 


Visita imperdível

Olivais no Alentejo se perdem no horizonte

Conheço praticamente Portugal, de lés a lés, porém, o Alentejo é uma região especial, diferente do resto do país. O Alentejo é um pedaço apaixonante de Portugal, suas planícies se estendem até o horizonte, oliveiras aos milhares decoram de verde os campos contrastando com o ouro dos trigais, e vinhedos que mudam de coloração à medida em que os cachos amadurecem e fica mais próxima sua transformação em vinho.

O alentejano é reservado, mas simpático, conversador, características que o tornam um português diferente. Quem não gosta de no final do dia tomar um copo para descontrair numa adega, num café, basta juntarem-se quatro ou cinco alentejanos para logo sairem modas do cante alentejano, hoje tombado como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco. 

Grupo Coral de Aldeia Nova de São Bento, um dos muitos coros intérpretes do
 Cante Alentejano

Cantam modas com poemas regionais: "Se fores ao Alentejo, vai, vai, vai, vai, não te esqueças, dá-lhe um beijo, ai, ai, ai, ai"; "Trago o Alentejo na voz, no cantar da minha gente, ai rios de todos nós, que te perdes na corrente..."; "Aldeia Nova de São Bento plantada no meio do trigo, teu cantar é um lamento, gosto de cantar contigo..."; "Fadinho alentejano"; "Grândola, vila morena", entre tantas outras músicas que são entoadas com absoluta afinação.
  
Vivendo o Alentejo


Com meu amigo de infância Vítor Silva, hoje presidente da Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo - a quem presto meus agradecimentos e a quem fico gratíssimo pela deferência especial que me proporcionou - conheci belas e culturas historicamente ricas das cidades do interior alentejano. 



Em Beja, fiquei hospedado na Pousada do Convento, localizado no centro da cidade, um edifício construído no século XIII, para ser um mosteiro franciscano, durante vários séculos em 1850 o convento foi adaptado para abrigar o quartel do Regimento de Infantaria 7, em 1995 foi aprovado o projeto de transformação do edifício Convento Pousada de São Francisco. As antigas celas dos frades foram transformadas em confortáveis apartamentos, na capela são realizados eventos.

O restaurante tem vista e saída para...

 ... a área da piscina. 



A pousada é o meio de hospedagem mais caro da cidade, mas o serviço de café da manhã podia ser melhor levando em conta o valor das diárias.

Estação de trem (comboio) de Beja

Ainda com temperatura em torno dos 10º - que sobe ao longo do dia até os 25º -, no começo da manhã partimos da capital alentejana rumo à Vidigueira, uma vila a 25 km de Beja, por belas estradas.

Eu, minha mulher Lana e Vítor. No fundo a estátua de Vasco da Gama, na Vidigueira. Após a vila romana ter sido considerada um monumento nacional, o IPPAR criou em Vila de Frades um Núcleo Museológico na Casa do Arco, edifício cedido pela Câmara Municipal da Vidigueira.
 
A Vidigueira tem em Vasco da Gama - embora nascido em Sines -, seu filho mais famoso, nomeado Conde da Vidigueira, por D. Manuel I, como presente por ter descoberto o Caminho Marítimo para a Índia. 

Dona de excelentes vinhos e uma rica gastronomia, tem no porco preto base de pratos deliciosos, além dos famosos ensopados e assados, ou nos pratos de peixe, de enguia, sável, saboga, lampreia, taínha, boga, corvina esturjão e robalo além da famosa silarca de cogumelos preparada com ovos e carne frita. 

Doces de gila e bolos regionais popias, bolos de mel, bolos folhados e escarapiadas. Ir ao Alentejo sem experimentar a açorda de alho é como ir a Roma e não ver o papa e na Vidigueira ela é especial.

Talhas expostas no Museu do Vinho da Talha 

A Vidigueira lidera com o apoio da Promoção Turística do Alentejo, uma campanha que envolve mais de 20 municípios para que o Vinho da Talha seja considerado Patrimônio Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Vidigueira criou há cerca de dois anos o Centro Interpretativo em Vila de Frades que pretende valorizar a prática milenar de produção do Vinho da Talha.

Vila de Frades capital nacional do Vinho de Talha


A manhã nasceu soalheira, o céu azul e a temperatura chegando aos 14º. Vítor Silva chega com seu Mercedes-Benz para me apresentar a capital nacional do Vinho da Talha, Vila de Frades, a menor freguesia do município da Vidigueira, com 25,82 km2. 

O relógio é um dos poucos de Portugal a funcionar por pêndulos e de corda.

Antiga vila romana, Vidigueira, revela vestígios do período neolítico e mantem totalmente preservada a Torre do Relógio do séc. XVI, localizada na Rua Luís de Camões, que recebeu um sino de bronze em 1780. 

Vítor, Arnaldo e Lana no almoço no restaurante País das Uvas, de Antônio Honrado, maior produtor de Vinho da Talha da região, tendo como fundo as talhas milenares

A capital do Vinho da Talha na verdade é Vila de Frades e esse vinho é a grande atração da cidade. As diversas adegas que se espalham por Vila de Frades recebem turistas o ano todo. 


A mais significativa é a  Adega-Museu Cella Vinaria Antiqua, um  espaço recuperado que reconstituiu uma adega romana e a produção original de Vinho da Talha.


Na minha passagem por Vila de Frades, com minha mulher, Lana Carla e Vítor Silva, entrevistei o maior produtor de Vinho da Talha da região, Antônio Honrado, dono da Adega-Museu Cella Vinaria Antiqua e do restaurante País das Uvas, onde almoçamos e onde se localiza a adega romana.

Serviço
A Cella Vinaria Antiqua  e o Restaurante País das Uvas, em Vila de Frades, fica na Rua General Humberto Delgado, 17

Contatos: 
+351 284 441 023 |  // +351 968 793 121
E-mail: enoturismo@honrado.pt
site: www.honrado.pt

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Entrevista

Fiz uma entrevista com Antônio Honrado que falou sobre o Vinho da Talha, sua história e a descoberta histórica da adega romana que estava soterrada numa casa ao lado do restaurante País das Uvas.

ASSISTA A ENTREVISTA E CONHEÇA A ADEGA ROMANA NO
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Link do vídeo:


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É um fato histórico que há 2.000 anos, os romanos produziam na região de Vila de Frades, o Vinho da Talha que séculos depois voltou a ser produzido e você é o maior produtor desse vinho. Poderia nos historiar a produção do Vinho da Talha?

Antônio Honrado
O Vinho da Talha começou a ser produzido na região da Vidigueira e Vila de Frades há de 2.000 anos. Foram encontradas nas ruínas romanas de Vila de Frades sementes (a que os portugueses chamam graínhas) da casta Antão Vaz, branco, que estão no Museu da Vidigueira, assim como as ânforas, algumas em perfeito estado. Algumas regiões preferiram não dar continuidade à produção do Vinho da Talha, mas em Vila de Frades esse vinho continuou a ser produzido exatamente da forma como os romanos o faziam.

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A sua família continuou a produzir Vinho da Talha?

Honrado
Meu avô já fazia o Vinho da Talha, que passou para meu pai, eu mantive a tradição e meu filho também já está produzindo. Ele inclusive foi a  São Paulo, fazer um trabalho de implantação do Vinho da Talha no Brasil. 

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Qual a diferença do vinho produzido e comercializado e o Vinho da Talha?

Honrado
A grande diferença é que o vinho da Talha é totalmente artesanal e dá muito mais trabalho e o tempo de maturação é muito maior. Os outros vinhos são feitos muito mais rápido. Para se ter uma ideia, começamos a fazer o Vinho da Talha em agosto, nas vindimas, e só paramos em novembro. As uvas são apanhadas, levadas em caixas para a adega e colocadas nas talhas e como faziam os romanos são remexidas com rodos e paus diariamente, de manhã e à noite. Em outubro, as talhas são atestadas e no dia 11 de novembro, Dia de São Martinho, é feita a prova do vinho.

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O vinho fica nas talhas mais quanto tempo?

Honrado
Até dezembro, nessa época, o vinho já esfriou e pode ser engarrafado. Na garrafa, o vinho aguenta quatro a cinco anos e continua um vinho natural na garrafa. As garrafas são numeradas e têm castas Tinta Grossa, Aragonez, Trincadeira e Alfroucheiro.

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Que destino leva toda a massa que ficou nas talhas? 

Honrado
Aproveitamos esse material para fazer aguardente de Vinho da Talha, a única em Portugal e no mundo. Tudo o que sobra das talhas vai para a destilaria, a massa da uva, os cachos, é tudo espremido e queimado na destilaria, saindo uma aguardente com sabores diferentes.

Adega histórica

O local onde o vinho é produzido é histórico e foi descoberto por acaso. Produzindo o Vinho da Talha nas instalações do restaurante e pretendendo ampliar a produção, Honrado comprou a casa do lado e teve naturalmente fazer obras. "Quando começamos as obras, o teto começou a ceder e resolvemos escavar toda a casa. Derrubamos as paredes do meio e encontramos uma adega que estava soterrada. O piso é o original. Não sabemos ainda a idade exata da casa, mas trata-se de um sítio histórico", contou.

Honrado aguarda que a Universidade de Évora complete o estudo que determinará a idade exata do lugar. "Mas já sabemos que se trata de um sítio histórico, provavelmente com muitas cetenas de anos", acrescentou.


Vila Romana de Cucufate, ruínas de Santiago

Ruínas de Santiago

O município de Vidigueira, além de ser um importante produtor de vinhos, possui um rico sítio histórico do período romano, a Vila Romana de Cucufate, conhecida como Ruínas de Santiagoum monumento histórico em Vila de Frades, o produtor do Vinho da Talha. Trata-se de um complexo do período romano composto por uma mansão, termas, um templo e uma zona de produção agrícola. As ruinas estão localizadas num ponto elevado de onde os romanos tinham visão total da paisagem a sul, até Beja.



O tempo deixou suas marcas nas construções, acredita-se que a ocupação inicial remonta à Idade de Ferro. Por volta de finais do IV milénio. Os nossos antepassados do neolítico final tinham escolhido aquele local de habitat, talvez temporário, uma vez que não foi encontrada qualquer estrutura associada aos materiais arqueológicos dessa época.

Hoje, as ruinas representam a presença de povos milenares muito provavelmente desde a idade do ferro, por volta do IV milênio, mas foram as realizações do período romano que, de forma indelével, marcaram este sítio. Com algumas descontinuidades, transformações e adaptações, a ocupação deste espaço prolongou-se até aos finais do século XVIII.

No período mulçumano (séc. X ou XI) estabeleceu-se no edifício uma comunidade de frades que ali viveu possivelmente até à segunda metade do sec. XII, tendo S. Cucufate por seu padroeiro.


O edifício foi abandonado, talvez por ameaçar cair em ruína. No decorrer das escavações arqueológicas descobriu-se nas traseiras da villa o cemitério medieval dos frades. A adaptação da antiga villa a templo cristão deixou marcas na arquitetura.


A descoberta de pinturas murais nas ruínas de São Cucufate contribuiu para colocar este importante marco da história local no caminho da rota dos frescos. 

As pinturas estiveram durante muito tempo escondidas por detrás de uma camada de cal e tinta.

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