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segunda-feira, 10 de julho de 2023

VW Brasil 70 anos – como nossos avós




Por Sérgio Bandeira de Mello




Se o leitor ainda não viu e ouviu “Como nossos pais” na interpretação motorizada de mãe e filha, Elis Regina e Maria Rita, confira no Google o filme para melhorar a compreensão deste inveterado hermético. E, de preferência, preste atenção na maravilhosa letra.

Com todos a bordo da Kombi – calma, pois há espaço suficiente para todos os interessados no texto -, nem precisa de cinto de segurança, item ridículo nos meus tempos de motorista ou passageiro do mencionado veículo, que conheci sob a alcunha de pão-de-forma.

Como no consagrado jargão publicitário, pequena vingança contra a falta de clareza e/ou objetividade dos clientes, eu diria que foi um “briefing mal passado” para a celebração dos 70 anos da Volkswagen no Brasil.

Antes, porém, quero lhe contar como eu vivi e tudo que aconteceu comigo. Isso a bordo de uma legítima Kombi na condição de piloto. Apesar do perrengue que passamos no momento, à noite, em plena Dutra, por conta do súbito fim da correia dentada da minha velha Marajó, tenho uma grata lembrança da última vez que dirigi o utilitário.

Sorte que parei perto de um orfanato, na beira da estrada. Lá, além de socorro com direito a empréstimo do veículo até a manhã seguinte, recebi uma bela lição de solidariedade, talvez por estar com meu filho bem pequeno e a minha filha de colo.

Foi no iniciozinho dos anos 1990, ocasião em que tive que subir a serra até Paulo de Frontin com apenas a segunda e a quarta marchas. Aliás, a última seria absolutamente dispensável depois de Paracambi. E, com raríssimas exceções, foi assim até a entrada de Mendes, meu destino final. Uma vez engrenadas na marra, ambas mostravam amplitude de um ponto morto. Já o próprio neutro dos carros automáticos – perdão pela necessária explicação aos mais jovens - acusava folga tão grande quanto o desalinhado volante.

Você pode até dizer que eu estou por fora ou estou inventando, mas meu lugar de fala é bem mais espaçoso do que admitiria a personagem central de tal episódio. Remonta aos tempos que dirigi Kombi com certa regularidade, na Avenida Brasil sem limite de velocidade, de 1975 a 1979.

Para tanto, bastava que o seu Pereira ou o Alcino, bravos motoristas da Contest, firma do meu pai, ficasse doente ou faltasse por qualquer motivo. Transportávamos corpos de prova de concreto e amostras de aço para construção civil para os devidos ensaios em laboratório. Sem tempo para academia e ginástica, era malhação gratuita com pesos nada ergonômicos de 15 kg.

Curiosamente, o período engloba os lançamentos das gravações de Belchior, compositor, e da sua maior intérprete, Elis. A música tema do comercial com jeito de institucional é faixa do LP Falso Brilhante. Produzido com o que há de mais moderno – já deve ter ficado obsoleto no Vale do Silício - em inteligência artificial, Maria Rita canta ao volante de uma Kombi novíssima, coisa que não se vê por aqui.

De repente, sua mãe emparelha num bem conservado exemplar de museu, razão pela qual qualifico a peça como propaganda enganosa.

No exato momento em que escrevo, meus tímpanos são agredidos pelos alto-falantes da Kombi do ferro velho. E a música base da oferta pelas velharias é um horror.

Daí que sugiro à montadora em jubileu de platina que destine uma merreca da campanha para comprar as enferrujadas representantes que circulam pelo Rio e que as substituam por similares à de Maria Rita com a mesma trilha do anúncio. Sim, eu diria que há perigo na esquina para quem ama o passado e só conta com velhos metais.

Afinal, ainda somos os mesmos e vivemos ao sabor desta maresia como como os nossos avós. Ou seja, bem antes de a VW chegar do Norte e da Elis chegar do Sul.

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