10 cortes de carne, 20 tintos para harmonizar

Existe um momento em todo churrasco brasileiro em que alguém levanta a taça de Malbec e proclama: “Este é o vinho perfeito para carne!” E não está errado. Mas também não está explorando nem 10% das possibilidades que uma grelha bem conduzida pode oferecer. Afinal, cada corte tem sua personalidade — da delicadeza sedosa do filet à rusticidade intensa da costela. Por que limitar a experiência a um só estilo?

O princípio básico é simples, mas revolucionário: quanto mais gordura e intensidade, mais tanino e acidez o vinho precisa ter. A gordura da carne “abraça” os taninos, suavizando-os, enquanto a acidez serve como contraponto para equilibrar e ainda limpa o paladar para a próxima garfada. Mas há várias nuances para uma harmonização. Por isso criamos este guia com 10 cortes de churrasco e 20 vinhos para harmonizar: 

Filet Mignon é o gentleman da grelha. Sua textura macia e sabor delicado pedem algum molho por cima e vinhos elegantes, mas com estrutura suficiente para não desaparecer. Um Saint-Émilion Grand Cru, com sua base de Merlot, oferece a suavidade perfeita — a textura sedosa da uva encontra eco na maciez do corte. Um Pommard 1er Cru borgonhês eleva a experiência a outro patamar, com a da pinot noir que complementa sem competir.n Pommard possui bastante estrutura, entre os mais musculosos Pinot Noir da Borgonha, harmonizaria perfeitamente. 

Entrecôte ou Ojo de Bife tem personalidade marcante e marmorização generosa. Aqui, a intensidade pede vinhos de caráter à altura. Um Barolo italiano, com seus taninos nobres e acidez cortante da nebbiolo, enfrenta a gordura sem recuar. Um Ribera del Duero Reserva combina potência e elegância espanhola — a Tempranillo da famosa região traz estrutura, muitos taninos, exceletne acidez e as notas terrosas que ecoam no sabor intenso do corte.

Costela é o corte mais democrático e, paradoxalmente, o que mais pede sofisticação na taça. Sua gordura abundante e sabor intenso encontram parceria ideal em Cabernets de Napa Valley — vinhos “grandes” e opulentos com taninos robustos que não se intimidam diante da intensidade. Os clássicos bordaleses, à base de Cabernet Sauvignon, seja de Pauillac ou de Saint-Estèphe também funcionam perfeitamente, trazendo bastante tanino, boa acidez complexidade

francesa para acompanhar cada camada de sabor que a costela revela conforme é degustada.

Fraldinha, com seu perfil mais rústico, com boa quantidade de gordura e fibras marcantes, revela harmonizações surpreendentes. Um Aglianico do sul da Itália traz a acidez vibrante e mineralidade vulcânica que limpam o paladar a cada garfada, junto com bastante força e muito tanino. Um Sangiovese toscano oferece elegância terrosa e taninos presentes que complementam a rusticidade do corte sem mascarar sua personalidade.

Picanha, nossa estrela nacional, merece vinhos à altura de sua fama. Cabernet Sauvignon do Alto Maipo chileno traz estrutura andina e frescor de altitude — a combinação perfeita para a gordura característica da parte mais nobre do alcatra. Um Tannat Gran Reserva, seja argentino ou uruguaio, oferece a robustez necessária com taninos que se integram lindamente à textura única da picanha.

Maminha, corte de crescente popularidade nas churrasqueiras brasileiras, tem textura única que pede vinhos com boa acidez para contrabalançar sua suculência. Sem a gordura da fraldinha ou picanha, pode pensar em vinhos menos poderosos, até mais florais. A Touriga Nacional cepa principal do Douro será uma ótima escolha, um Reserva do Douro funciona perfeitamente — a acidez natural da casta preserva frescor enquanto o lado floral e pouco tanico se destacará com o corte. Cabernet Francs do Vale dos Vinhedos também criam harmonizações interessantes, trazendo frescor gaúcho e taninos equilibrados.

Tomahawk, o corte-espetáculo americano, com sua apresentação imponente e marmorização intensa, encontra eco em vinhos de estrutura tânica robusta. Um Ribera del Duero tem a potência e complexidade para não se intimidar diante da intensidade do corte. Taurasi, o “Barolo do Sul da Itália”, também funciona perfeitamente, trazendo a rusticidade e estrutura necessárias para essa experiência gastronômica de impacto.

Assado de Tira, corte transversal do costillar com ossos que intensificam o sabor, desenvolve sabores profundos que pedem vinhos igualmente complexos. Malbecs de altitude dos solos aluviais de Gualtallary têm a profundidade necessária, enquanto Cabernet Sauvignon de Maipo Alto com boa passagem por madeira criam harmonizações que evoluem conforme o corte revela suas camadas de sabor.

Cordeiro na Brasa, assado inteiro no fogo de chão, é experiência primal que pede vinhos de caráter rústico e intenso. Blends GSM — Grenache, Syrah, Mourvèdre — são a escolha perfeita, seja de Châteauneuf-du-Pape, Barossa ou Paso Robles. A complexidade herbal e a potência desses blends ecoam a intensidade selvagem do cordeiro cozido lentamente sobre as brasas. Também, as nuances de especiarias aportadas nestes cortes pela Syrah permitem estes vinhos ter uma complexidade igual ao do próprio cordeiro.

Carré de Cordeiro, por outro lado, é a elegância do cordeiro — corte nobre e delicado que merece abordagem mais refinada. Aqui, um Syrah do Vale do Limarí chileno brilha, com sua mineralidade costeira e notas especiadas que complementam sem sobrepor a delicadeza do corte. Uma Shiraz de altitude australiana também funciona lindamente, trazendo frescor e complexidade que realçam a sofisticação natural do carré.

No fim, harmonizar vinho com churrasco não é sobre seguir regras rígidas, mas sobre entender perfis e experimentar. É sobre perceber que cada corte tem sua personalidade, cada vinho sua contribuição, e que a magia acontece quando ambos se complementam. 

Da próxima vez que acender a churrasqueira, lembre-se: o Malbec será sempre bem-vindo, mas a verdadeira aventura começa quando você explora novas possibilidades.