Coluna Fernando Calmon
Nº 1.132 — 14/1/21
REFLEXOS DO FIM DA
PRODUÇÃO DA FORD
Decisão da empresa de
encerrar a produção de veículos no Brasil tem implicações negativas de curto
prazo. Mas não deve levar a um cenário de desindustrialização do setor automobilístico.
Existem alguns aspectos históricos a ressaltar. Em 1986 a Ford esteve perto de
sair do País em meio à conhecida década econômica perdida. As importações de
veículos estavam proibidas, não existiam alternativas. Contudo, a união com a
Volkswagen, na Autolatina, deu-lhe fôlego para continuar nove anos depois do
“divórcio”.
Na Argentina houve desistência
industrial da GM, que anos depois retornou. Fiat e Peugeot se fundiram, se
separaram e voltaram cada uma para seu lado. Renault da mesma forma: entrou,
saiu e voltou. No Brasil há os casos da Alfa Romeo, Audi, Chrysler, Jeep,
Renault e Mercedes-Benz.
A Ford ainda produz
automóveis na Europa, Índia e China, mas na América do Norte e agora do Sul,
nada. Não há um prazo para focar apenas em SUVs, crossovers e picapes, conforme
anunciou em 2018. Estes são bem mais lucrativos e os compradores americanos
mantêm confiança nas marcas domésticas, em especial nos modelos maiores.
Um aspecto pouco observado
é que a empresa decidiu manter o centro de desenvolvimento, na Bahia e o campo
de provas, em São Paulo. Exportará serviços e alguns empregos qualificados
serão salvos. Porém, terá que devolver incentivos fiscais e indenizar empregados
e concessionárias, além de outras despesas. Para tanto alocou US$ 4,5 bilhões (R$
24 bilhões). A GM, ao contrário, enviou grande parte dos engenheiros
brasileiros para a China e EUA, mas descongelou agora R$ 10 bilhões de
investimentos nos próximos cinco anos para novos produtos.
Obviamente a
participação de mercado da Ford vai cair para um patamar bem inferior ao qual
terminou em 2020. O tíquete médio dos carros que venderá será muito mais alto,
mas a empresa quer garantir a rentabilidade que garantirá sua sobrevivência não
só aqui, mas no mundo. Isso, no entanto, não deve afetar a recuperação do
mercado brasileiro este ano (leia abaixo).
O Brasil é um país
dos compactos. Hatches e sedãs representam cerca de 45% das vendas totais. Com
o avanço das novas tecnologias, ainda caras, fica bastante mais difícil diluir
os custos em modelos menores e de lucratividade limitada. A saída natural seria
importar componentes e aumentar a exportação. Para tanto o País teria de
investir muito em infraestrutura, além de uma reforma tributária que realmente
melhorasse a eficiência econômica e desonerasse os produtos exportados, como os
outros países fazem. Esse mau hábito de gerar créditos tributários e nunca
restituí-los ou compensá-los, realmente não funciona.
Por suas dimensões
continentais e densidade de habitantes por veículo ainda inferior à da Argentina
e do México, por exemplo, o Brasil ainda tem o que avançar. De 2010 a 2014 o
País figurou como quarto maior mercado interno do mundo, atrás de China, EUA e
Japão. Por sua imensa população a Índia vai se consolidar à nossa frente. Mesmo
assim, uma quinta colocação no ranking mundial continuará sendo atraente. Como
produtor de veículos já fomos o sétimo (hoje, o nono), mas existe potencial de
ser o sexto colocado.
O QUE ESPERAR DO
MERCADO EM 2021
A economia brasileira
foi fortemente atingida pela pandemia do covid-19, em 2020. Ainda assim a queda
do PIB (em torno de 4,5%) ficou em patamar bem menor que o previsto até pelo
FMI. Na indústria automobilística não foi diferente. Contra números previstos
de até mais de 40% de redução do mercado interno de veículos leves e pesados, o
tombo ficou em 26%. Em 2015, mesmo sem pandemia, as vendas já haviam caído
nessa mesma magnitude. Nada comparável a 1981, quando as vendas derreteram 40%
frente a 1980.
Na produção que
inclui os números de exportação, principalmente para a Argentina, a queda
atingiu 31%. O total de empregados na indústria sofreu uma contração de 4%
(5.000 funcionários a menos). Os estoques nas fábricas e concessionárias caíram
para apenas 12 dias (um terço do habitual), o menor em toda a séria histórica
da indústria.
Para este ano a Anfavea
demonstrou cautela na recuperação das vendas (15%), exportações (9%) e produção
(25%). A Fenabrave também projetou os mesmo 15% de avanço na comercialização,
uma coincidência que não é tão comum. Nesse ritmo a volta aos níveis de 2019
(ano sem efeito da pandemia) só ocorreria em 2023. Para complicar ainda há o desastrado
aumento do ICMS no Estado de São Paulo, tanto para veículos novos quanto para
usados. Deverá impactar as vendas, embora ainda não seja possível avaliar os
estragos.
Por outro lado,
apesar dos percalços políticos em Brasília, a economia brasileira crescerá este
ano no mínimo 3,5% até por uma base comparativa baixa em relação a 2020. A
vacinação de parte da população deve ajudar como reação positiva. O dinheiro
retido no ano passado pelo cancelamento de viagens e outros gastos entre os que
podem comprar automóveis, deve ser aplicado para este fim.
Então, há um
potencial de voltar aos números de 2019 já em 2021, o que significaria um incremento
nas vendas em torno de 35%. Otimismo exagerado? É o que vamos conferir em 31 de
dezembro deste ano.
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