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terça-feira, 8 de julho de 2014

EM ENTREVISTA À REVISTA VEJA, O EMPRESÁRIOS BRASILEIRO SÉRGIO HABIB FAZ UM RAIO X DO SETOR AUTOMOTIVO APÓS AS MEDIDAS PROTECIONISTAS IMPLANTADAS PELO GOVERNO DILMA. PARA ELE O GOVERNO FEZ UM DIAGNÓSTICO E "DEU TUDO ERRADO: O GOVERNO ESPANTOU AS MONTADORAS"

Entrevista

'Governo espantou as montadoras que viriam ao país’

Presidente da chinesa JAC Motors, Sergio Habib faz um raio-X do setor automotivo após as medidas protecionistas implantadas no governo Dilma. O diagnóstico: deu tudo errado.

Ana Clara Costa
Sérgio Habib, presidente da JAC Motors no Brasil

Sérgio Habib, presidente da JAC Motors no Brasil (Alex Silva/Estadão Conteúdo)
O governo Dilma empreendeu um esforço hercúleo para agradar as montadoras nacionais. 

Desde 2011, uma série de medidas protecionistas foi implementada, como aumento de impostos sobre carros importados e exigência de uso de conteúdo nacional para as fábricas interessadas em se instalar no Brasil. 

Hoje, percebe-se o tamanho do erro. Mesmo com toda a bondade petista, vendas e produção despencam mês a mês. A chinesa JAC Motors vivencia como nenhuma outra os efeitos das medidas desastradas. 

A companhia havia anunciado a instalação de uma fábrica no Brasil semanas antes do aumento de 30 pontos porcentuais do imposto sobre produtos industrializados (IPI) sobre os carros importados, em setembro de 2011. 

A ideia era importar veículos ao longo de três anos para então começar a produzi-los no país. 

O novo IPI inviabilizou as importações e a conjuntura ruim atrasou a instalação da fábrica. Em entrevista ao site de VEJA, o presidente da JAC, Sérgio Habib, lamentou a situação. 

“As medidas dificultaram a entrada de novas montadoras. O governo quis que o empresário se casasse com o Brasil antes de namorá-lo. E ninguém mais quer correr esse risco”.

O novo regime automotivo instaurado pela presidente Dilma, também chamado de Inovar-Auto, fracassou? 

Ele não atingiu o objetivo do governo porque, em vez de facilitar, dificultou a vinda de novas fábricas ao Brasil. 

Tanto a JAC quanto a Chery já haviam anunciado fábricas no país antes do Inovar-Auto e antes do aumento do IPI. 

Mas as novas empresas não vieram. BMW, Jaguar, Mercedes e Audi já estavam no Brasil como importadoras e iam fazer fábrica, com Inovar-Auto ou sem. 

Já outras marcas asiáticas, como a Wulling e a indiana Tata, não vieram e não vão vir tão cedo.

Por quê? 
Para montar uma operação em qualquer país, primeiro é preciso ver a aceitação do produto e testar o mercado como importador. 

Depois de testar, ocorre o investimento. Foi assim na década de 1990 com Toyota, Citroen, Honda, Peugeot, Renault e Nissan. 

A Citroen importou carros durante 10 anos e só então fez a fábrica. A Peugeot, durante nove anos. 

A Toyota começou a importar em 1991 e só em 1999 construiu a fábrica. Todas elas ficaram cerca de uma década importando antes de construir. 

Hoje, com o Inovar-Auto, você não pode importar sem ter um projeto de fábrica. Ou seja, ele exige que uma empresa se case com o Brasil antes de namorá-lo. 

E essa não é a lógica para nenhuma empresa. Ninguém topa. O Brasil exige do empresário um cheque de 500 milhões de reais para a construção de uma fábrica sem que ele esteja familiarizado com o mercado brasileiro. Isso não faz sentido para ninguém.

A única forma de testar é pagar o novo IPI? Sim, mas isso é inviável. Os 30 pontos porcentuais que o governo aumentou em 2011 equivalem a um imposto de importação de 85%. 

Nenhum país decente pratica uma alíquota como essa. E não compensa porque o consumidor não vai pagar. 

A única forma de importar é por meio de cotas que o governo estabeleceu ao criar o Inovar-Auto. 

Mas essas cotas funcionam apenas para marcas que já estavam no país, como as de automóveis de luxo, por exemplo. 

Além disso, o limite de cotas é de 4.500 carros por ano, o que é insignificante para um mercado de 3,5 milhões de automóveis como o Brasil.

O que é pior para o setor: a exigência de instalação de fábrica ou as regras de conteúdo local? 
As regras que regulam o conteúdo local usado na fabricação dos carros, para que se consiga um desconto no IPI, são muito retrógradas. 

Não é papel do governo controlar se o farol do carro que estamos usando foi fabricado no Brasil, na China ou na Alemanha. A empresa tem de comprar o farol onde lhe for mais conveniente. 

Mas o governo vai além: quer saber se o espelho retrovisor e até mesmo o motor responsável por movimentar o espelho são fabricados no Brasil. 

Por isso decidiu criar o Inovar-Peças, para estimular a cadeia de suprimentos. Mas, como controlar esse tipo de detalhe é algo dificílimo, o projeto ainda não saiu do papel.

É possível para uma montadora estrangeira recém-chegada cumprir as metas de conteúdo local? 
No caso da JAC, vamos cumprir as exigências de conteúdo local não porque o governo quer, mas sim porque, no nosso caso, compensa e é possível. 

Agora, se sou a BMW, é óbvio que vou importar meu motor da Alemanha. Não faz sentido o governo exercer poder sobre isso. Nenhum país é bom em tudo. 

Se a gente quer ter um país competitivo, temos de nos especializar em algumas coisas e fazê-las bem, e barato. 

Quando se fecha o país, força-se as empresas a tomar decisões baseadas em decretos, em vez de bom-senso.

Os preços dos carros subiram desde a criação do Inovar-Auto, em 2012? 
Nos últimos cinco anos, os preços de carros não subiram muito. Começaram a subir este ano. 

O que ocorreu foi que, quando a indústria de veículos passou de 2,5 milhões para 3,5 milhões de carros, os ganhos com produtividade permitiram que o aumento da produção em 1 milhão de veículos compensasse a inflação e os gastos com reajustes salariais. 

Agora que o mercado estagnou, a empresa tem aumento de despesa, tem de reajustar salário de funcionários, pagar o reajuste do aluguel, do preço da energia. Tudo subiu, mas a produção não. Então, agora, percebe-se o aumento de preços.

E se houvesse mais concorrência? 
Seria a única forma de fazer com que os preços dos carros subissem menos que a inflação. Ou não subissem. 

A tendência, quando se é empresário num país fechado, é passar mais tempo em Brasília tentando defender seus interesses do que na fábrica tentando diminuir custo. 

E tem o custo Brasil, que piora o cenário. Levar um contêiner da fábrica da JAC de HengFeng para Shangai, na China, o que corresponde a uma distância de pouco mais de 500 quilômetros, custa cerca de 500 reais. 

No Brasil, transportar um contêiner de São Paulo ao Rio de Janeiro custa 1 900 reais. O nosso país está muito torto. Para compensar esse custo de logística, o dólar tinha que estar custando 8 reais. 

A imagem do Brasil para o empresário estrangeiro está arranhada? 
Quando trouxe a JAC para o Brasil, a intenção era importar 30 mil carros por ano por três anos, para depois construir uma fábrica com capacidade para 100 mil carros. 

Minha esposa, que é mineira, me disse para tomar cuidado com a ousadia. Mas eu então pensei: há muitos anos não se muda a regra do jogo no Brasil. Fernando Henrique e Lula não mudaram. 

Sabe o que aconteceu? 
Ela tinha razão. O que é uma pena, pois mudar as regras do jogo no meio da partida, conforme o placar, espanta o empresário, que acaba não investindo mais nada. O espírito animal do empresário está na toca. 

Quem quer investir num país onde não se conhecem as regras do jogo, onde tudo é incerto? 
O pior é que esse sentimento é generalizado. Mudaram as regras no setor elétrico, automotivo, de infraestrutura. 

E depois reclamam que poucos se interessaram pelas privatizações. Numa escala mais ampla, isso trava o país.

Por que o mercado consumidor de veículos está tão ruim? 
Nada afeta tanto as vendas quanto a alta dos juros e a falta de confiança no emprego. Se a montadora aumenta o preço do carro de 3% a 4%, o efeito na prestação é muito menor do que quando a Selic passa de 7,5% para 11,5%. 

E esse impacto é tão significativo justamente porque uma minoria compra carro à vista. Cerca de 65% são financiados. 

E, justamente porque são financiados, um consumidor não vai se comprometer com a compra de um bem durável caro se não tiver absoluta certeza que terá emprego para conseguir pagar as parcelas. 

Hoje, as pessoas estão com medo do futuro. O que muitos têm feito é trocar de carro, mas por um usado, não zero. 

Assim, se arriscam menos, pois gastam menos também. Como resultado, o mercado de carros usados subiu 12% em 2014, enquanto o de carros zero caiu mais de 3%.

A menor oferta de crédito também ajudou nessa piora? 
Não, de forma alguma. Os bancos não estão mais restritivos hoje do que um ano atrás. O que acontece é que os juros estão mais caros e isso restringe o acesso ao bem. 

Há ainda a questão da inadimplência, que não é um problema de agora. Desde que a economia começou a desacelerar, três anos atrás, os bancos estão mais rígidos na hora de avaliar o cliente que pede financiamento automotivo. Não é algo que tenha começado em 2014, então não se pode culpá-los.

A Copa teve alguma influência no mercado de veículos? 
Sim, e relevante. As vendas caíram 17% em relação ao ano passado. Ninguém trabalha, ninguém faz nada. No Rio de Janeiro tivemos apenas 15 dias úteis no mês. 

Quem consegue vender diante desse cenário? 
A Copa do Mundo, para quem não tem restaurante, hotel ou bar, foi terrível. Há municípios que decretam feriado em todos os dias de jogos.

Como será a estrutura da fábrica JAC no Brasil? 
Está sendo construída em Camaçari, Bahia, e dois terços do negócio pertencerão aos chineses. 

Eu fico com um terço. Inicialmente, a participação seria o oposto, pois pegaríamos financiamento do BNDES para comprar o maquinário, pelo programa PSI. Mas mudamos de ideia. 

Como Brasil é caro, o BNDES dá dinheiro a taxas subsidiadas. Em vez de você ter uma taxa normal de juros, você tem uma indústria não competitiva e juros subsidiados. 

O problema é que mesmo assim não compensa. Uma prensa fabricada no Brasil, mesmo com juros baratos, é mais cara do que uma prensa nos Estados Unidos, na Coréia ou na China. 

No passado, os juros do BNDES eram mais realistas, mas o banco financiava maquinário estrangeiro. 

A fábrica da Hyundai foi toda construída com máquinas importadas e com dinheiro do BNDES. 

No nosso caso, a conta não fechou. Vamos trazer máquinas de fora, inclusive da Alemanha, pagando menos. Só que o capital será dos chineses, por isso a troca de participação societária.

Os chineses estão decepcionados com o Brasil? 
A maior frustração é a mudança de regra. O chinês é muito prudente, estuda o país profundamente e essas mudanças assustam. 

A JAC recebeu ordem do governo chinês para crescer seu negócio. Para onde eles iriam crescer? 
O Brasil é um destino óbvio. Agora, o governo pensa que o mercado interno é patrimônio do povo brasileiro e que tem de ser usado por empresas que estão fixadas no país. 

E isso faz com que a gente pague pelas ineficiências que a falta de concorrência traz. O Inovar-Auto pode até ter sido feito com a melhor das intenções. 

Mas não precisava disso, não precisava de decreto para convidar um empresário a investir aqui. 

Todos que se instalaram já tinham planos. Agora, o Inovar-Auto acaba em 2017. Qual empresa que jamais trabalhou em solo brasileiro começaria a planejar sua vinda com base num regime que termina em três anos, ainda mais se permanecer um governo que tem o histórico de mudar as regras do jogo?

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