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sábado, 13 de outubro de 2012

A ARGENTINA TEM TRADIÇÃO DE PRESERVAR OS CARROS ANTIGOS E ANUALMENTE REALIZA A JÁ FAMOSA AUTOCLÁSICA. O NOSSO COLONISTA ROBERTO NASSER, QUE NO BRASIL LUTA PELA PRESERVAÇÃO DO MUSEU DO AUTOMÓVEL DE BRASÍLIA, PARTICIPOU DO EVENTO E CONTA NA COLUNA "DECARROPORAÍ" DETALHES. FOTOS DE BELAS RELÍQUIAS ILUSTRAM A MATÉRIA

Autoclásica 2012. Stutz, o melhor, à bala 


Quase 1.000 veículos antigos entre 30 e mais de 100 anos de produção, automóveis de passeio, carros de corrida, utilitários, motocicletas, ônibus, caminhões, veículos militares, lanchas, portentosa feira de peças, clima de elegância, retrataram a Autoclásica em sua 12ª edição que se manteve como a mais variada e rica exposição de automóveis antigos na América Latina.

Feita nos gramados e vias internas do Hipódromo de San Isidro, periférica e integrante da grande Buenos Aires, não permite comparação com os eventos nacionais, seja pela quantidade, qualidade, variedade de veículos, tudo costurado pelo vivo fio da verdade histórica e suas consequências sociais, da Argentina rica em bom período durante a linha do tempo dos veículos lá expostos.

Quem examina a raridade dos veículos, a variedade de marcas, tipos, morfologia, uso, percebe, é consequência do fato de a Argentina ter tido meios, elegância, educação, cultura à época de ouro dos automóveis, o pré-guerra. 


Na prática o sempre renovado parque de veículos expostos é resultado de ótimo acervo de veículos refinados, sobreviventes por boa manutenção, a existência de um sólido movimento de corridas, motivador de uma atividade de preparação e construção e, principal, sua guarda. 

A dedicação dos argentinos às suas cores, bandeira, história, permite atingir um ponto que ao modo brasileiro de pensar é inimaginável e fora do padrão: colecionadores poderosos administram um processo de resgate ao exterior das unidades que estavam em solo e na história argentina e foram exportados.

O colecionismo argentino, irrigado por interessante noção gregária, onde três pessoas se reúnem e formam um clube, com a disposição de usar os carros em viagens, rallyes, corridas, se ilustra com a cultura européia de antigomobilismo: colecionador com poucas unidades; formação de grupos; uso do veículo como desfrute e capacidade de divulgação do colecionismo; respeito à integridade dos veículos originais, preservando-os com a Pátina do Tempo, sem violentá-los com restaurações que trocam história por cosmética.

Nos inevitáveis comparativos entre Brasil e Argentina, difícil estabelecer um parâmetro no mesmo campo, o de automóveis.

Se adotados números atuais, em volume, o mercado argentino de veículos O Km gira em torno de 1/5 do comercializado no Brasil. Entretanto, no campo antigomobilístico ficamos distantes em qualquer comparativo.

Desde o fato de terem quatro ótimas revistas especializadas, calendário interno de eventos com intensa programação, incluindo a Mille Millas Argentinas, prova internacional, e a imbatível performance em eventos internacionais. 

Neste ano dupla e automóvel argentinos venceram a Mille Miglia Storica, na Itália, e um colecionador foi 3º no Pebble Beach Concours d’Elegance, o mais elegante e restritivo da especialidade.

Como dado comparativo, na Mille Miglia Storica apenas uma dupla brasileira participou, sem automóvel próprio – apesar da láurea imbatida na América do Sul, ter sido convidada para conduzir na equipe da fábrica Mercedes- Benz. Participação em Pebble Beach? Só visitantes.

Best of Show 
Stutz Roadster by Le Baron, 1929. A pintura esconde a história

Dentre os 600 automóveis, outro não tinha relevo como veículo, história como unidade - um toque pebblebeachiano na restauração. A justificativa da indicação, foi “em virtude de sua singular beleza e harmonia de linhas, seu ótimo estado de restauração e sua relevância histórica” . 

No caso, o norte-americano Stutz, automóvel mecanicamente refinado durante seu período de vida – 1911 a 1935. Marca famosa, de carros diferenciados pelo chassi baixo, a superior dirigibilidade, freios inexplicavelmente bons, invulgar câmbio com 4 marchas. 

A unidade vencedora, em carroceria Roadster por Le Baron, de 1929, é impecável, e com história de ter sido de Luis Angel Firpo, famoso boxeador que, ao aposentar-se, foi representante da marca.

Vendeu-o a político da cidade de Máximo Paz, mas o endereço em nada auxiliou: o dono foi assassinado ao conduzi-lo, provocando a venda. Os dois proprietários seguintes, uma professora e um jornalista, respeitaram a história e a característica diferenciativa, preservando os três buracos feitos pelas balas logo abaixo da cintura no lado esquerdo.

Mas o jornalista Miguel Angel Lastra, de Mar del Plata, numa dificuldade de caixa, vendeu-o a amigo e atual proprietário, o colecionador Juan Alberto Molinari. Este, de quem se esperava manter a óptica da importância da pátina do tempo sobre a bela carroceria, mudou o foco e adotou o ponto de vista norte-americano de colecionismo: mandou tapar os buracos feitos pelas balas – e a história – fazer pintura refulgente, tornou os cromados faiscantes, e agregou acessórios, como o par de faróis auxiliares, detalhes com o ar empetecado dos carros que alinham na californiana Pebble Beach. Apagou a história e transformou-o em apenas um carro raro bem apresentado – sem evidências de seu passado diferenciador.

Elegantes, o ex e atual donos, Miguel e Juan comemoraram juntos o prêmio, dedicando-o a Henry Stutz, fundador da marca. O Stutz também ganhou o Prêmio Vintage Automóvel.

Os outros Best of Show
Delage D8S de 1938


Aston Martin DB4 GT 1961. A marca teve sortida presença.

Mais relíquias
Patrocinado por montadoras como a Renault e Mercedes- Benz, produtos de cuidados Meguiar’s, operadora de celular Movistar, bebidas, explorou temas e exposições internas, contando com estandes de clubes, das motos HRD Vincent, Puma – lá foi moto nacional -, homenageou os 110 anos da norte americana Cadillac, com rica amostragem começando em 1906 e incluindo exemplar conversível da Presidencia de la Nación. Outra diferença, o governo argentino, com todas as crises e mudanças, retém e mantém pequena coleção dos carros mais representativos usados por seus presidentes.

Cadillac Type 53, 1916 premiado

Outra homenagem, aos 80 anos do motor V8 Ford, o primeiro V8 popular e, principal, aos 90 anos e 65 da vitória de José Froilán Gonzales, em Ferrari – foi o primeiro piloto com esta marca. Pepe é o único sul americano vencedor das
24 Horas de Le Mans. 

José Froilán Gonzales, 90, beija seu Maserati 250F 1956, premiado

Pepe Gonzales

Homenagem à Carrozzeria Touring, com exemplar do raro espanhol Pegaso e um Maserati 350. De Pegaso havia, também, unidade conversível. Na ampla relação de automóveis de nossa pouca intimidade, marcas como Senechal, Wanderer, carreteras Chevrolet dos anos 30, autênticas, empregadas nas corridas que caracterizaram o sul do continente.

Um destaque para um vencedor de rallies nos anos 70, o mítico Lancia Stratus.

O Catalão Pegaso. Conhecia?

Outros atrativos, veículos antigos agora construídos com arte, modelos reduzidos para crianças. Em termos de musicalidade, motores antigos fizeram sinfonia operacional à abertura.

Ala das motos. Fartura

Dois registros fundamentais em meio a ampla relação de premiados. O único exemplar do Institec Justicialista Gran Sport V8. Pouco conhecido, pico do projeto de instalação da indústria automobilística na Argentina, prevendo o convívio com produtos e técnicos estrangeiros, para absorção de tecnologia e o fazer seus próprios automóveis.


Desenho e construção argentinos e com muitos pioneirismos na área hoje chamada Mercosul no distante 1953. Carro esportivo, carroceria em fibra de vidro, rodas em liga leve, e motor local, interessante e bonito, com 8 cilindros dispostos em V a 45 graus, todo em alumínio, válvulas na cabeça, formado por quatro V2 unidos, refrigerado por ar.

Limpo, macio de funcionamento, bem composto, bonito, projeto poderia sugerir ser produto de casa com tecnologia. Pena, a Revolução de lá mudou os rumos da indústria, não se viabilizou. Em especial pelo nome: Justicialista era o partido do Tenente General Perón, então deposto pelo governo militar.


O curioso Institec Justicialista 1953, pioneiro em fibra de vidro e em rodas de liga leve.

O belo motor V8 em alumínio, refrigerado por ar.
Outro premiado nos fala ao coração: o brasileiro Bianco S– mas não ganhou prêmio como produto nacional mas, apenas, o troféu oferecido pela revista.

Classic & Sport Cars
Nosso Bianco S 1979, com placa argentina. Como foi parar lá?

Prêmio pick up para Ford 1938, o Ford Avião. Também montado no Brasil, mas sem exemplar conhecido.


Duas rodas
Motos expandem o evento. Neste eram 300, 1/3 do total de veículos expostos. Delas, a distinguida como “Best of Show” foi inglesa Matchless G50 de 1961, e 500 cm3 de cilindrada.

Matchless G50 1961, Best of Show motos.

Curiosidades
Poucos expositores estrangeiros. Por razões difíceis de entender, a Autoclásica tem pouca divulgação durante o ano e não se esforça para integrá-lo com a administração de Buenos Aires para ser tratado como atração turística. 

Não há investimento para buscar visitantes e expositores de outros países. Seu espírito, amplitude, interesse e a necessidade argentina em dólares gastos por turistas justificariam.

Partícipe constante, a chuva. A desde o dilúvio de 2009, a organização locou-o nas laterais das vias pavimentadas, exceto para a feira de peças, com piso de terra – ou lama, no caso. Nesta edição o tema da mudança voltou à baila, considerando-se alterar a data para tempos menos chuvosos.

Para automóveis foram 20 prêmios sob os critérios FIVA, a Federação Internacional do Colecionismo de Automóveis. É outra diferença relativamente aos eventos brasileiros. Na prática antigomobilístca significa, os premiados estão parametrizados 

com os demais eventos mundiais. Como em nosso país – exceto pelo “Carro do Brasil”, na Capital Federal – não se adota o padrão FIVA, os automóveis aqui escolhidos não têm referência mundial e o nosso antigomobilismo fica restrito à nossa grande e ilha e seus variados e desconhecidos critérios.

A bem fornida feira peças – Autojumble, como a chamam 

Botas, calçado dos previdentes.

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